21 de jul. de 2009

ESTRADA DE FERRO


Nos trilhos
seguimos
em paralelas
retas
para elas
que, belas,
atraem
e não saem da bitola
tola.
Estoura
sob a pressão
de sua própria fumaça,
engasga,
ameaça
e segue
a todo vapor.
Nos seguros
trilhos,
nos puros
camihos
pré-destinados
pré-concebidos
finados, esquecidos
por todo o chão
certos, seguros
da próxima
estação.
Os caminhos,
os mesmos,
guias podensos
encaixe perfeito.
As rodas, os trilhos,
sair do caminho
desastre,
descarrilho,
explosão.
Mas nada disso acontece
a estação chega agora
em cima da hora
(contando o atraso)
para nossa
felicidade
de vermo-nos
mudados
em nova cidade

15 de jul. de 2009

Pareça e desapareça


Parece que foi ontem.
Tudo parecia alguma coisa.
O dia parecia noite.
E o vinho parecia rosas.

Até parece mentira,
tudo parecia alguma coisa.
O tempo parecia pouco,
e a gente se parecia muito.

A dor, sobretudo,
parecia prazer.
Parecer era tudo
que as coisas sabiam fazer.

O próximo, eu mesmo.
Tão fácil ser semelhante,
quando eu tinha um espelho
pra me servir de exemplo.

Mas vice versa e vide a vida.

Nada se parece com nada.
A fita não coincide
Com a tragédia encenada.
Parece que foi ontem.
O resto, as próprias coisas contem.

(de Paulo Leminski in "Distraídos Venceremos")

13 de jul. de 2009

MATERIALIZAÇÃO


Quilos e quilos,
as idéias não têm peso
que não o peso de sua própria
e devastadora força.

E no entanto passá-las
para estes papéis
é conferir-lhes
propriedades físicas.

Peso, dimensões, textura, cor e mais...

O peso destas idéias
curva minhas costas
e se faz presente nestas
prateleiras anônimas,
com suas encadernações
coloridas.

25 de jun. de 2009

VAGO VAGAR


Vagar, vagar,
divagar,
devagar.
Pelas penumbras,
pelos escuros,
nos corredores,
atrás dos muros.
O pensamento
atrás no tempo,
por onde vaga
o sentimento
na dura dor,
no sofrimento,
um tempo sempre
depuramento.

27 de mai. de 2009

TEMPOS PASSADOS


Foi um tempo que passou
e que nunca voltará,
quando minha juventude
incitava minha alma.

Com o tempo tudo se vai
toda força se acalma.

Sobrou apenas uma lembrança,
ora boa, ora má,
de um tempo que passou
e que nunca voltará.

22 de mai. de 2009

Esta noite


Esta noite não posso
lembrar-me de tí,
Sem esquecer de mim.
Esta noite não posso
procurar-te,
sem me perder assim

Perder esta santa ceia
esta boca cheia,
teu paladar.

A perda deste sentido
no tempo ruido
e desejar.

Esta noite
é uma noite
de muitas perdas,
de muitos desejos,

de solidão...

15 de mai. de 2009

RIO


O Rio de Janeiro, a cidade,
me invade, me divide.
O Rio, a cidade incide.
E eu Rio, Rio, Rio,
de minha condição.
O Rio de Janeiro é a regra,
eu sou a exceção.

O Rio, a cidade, a montanha,
é estranha, desconcerta.
O verde, o azul, descoberta
e as buzinas da cidade.
O Rio é a realidade,
como em um sonho bom.

A cidade, a montanha. A praia,
se espalha na baía.
O sol espreguiça outro dia,
raiando tanto calor.

Eu Rio, talvez sem motivo.
Eu nada espero, eu vivo
como uma música, som.

Objeto



Um objeto
seu...

Dei muito de mim,
assim
como um operário

Dei o meu tempo,
dei minha esperança
e o meu corpo
como fiança
deste amor solitário
que sempre foi

apenas seu

CORPO DE BAILE


Um corpo no baile.
As damas desmaiam
e os cavalheiros também.
Por incrível que pareça,
há um corpo no baile.
A orquestra toca um "jazz"
e o corpo extendido no salão
forma uma grotesca figura.

O ruflar de saias dançando
e o galanteio dos "gentlemen"
não são mais ouvidos...

Um corpo no baile
e nem sequer é carnaval.
O corpo está inerte no chão,
morto
e putrefa à vista de todos.

O corpo do baile horroriza-se com a vista
do corpo no baile.
Um corpo que não dança mais
e nem ouve
a música da orquestra.

O corpo do baile dança,
talvez a espera
de algum milagre
que possa reviver
o corpo morto.

Talvez a espera
de um grande caminho aberto,
que se manifeste por meio
de uma música sublime,
que guie seus pés
num eterno balé
dançado no palco brilhante
do grande teatro
onde o corpo de baile
somos todos nós.

27 de nov. de 2008

LUZES FRIAS


As luzes da cidade
ainda estão acesas.
Mas a chama na alma
de cada um de seus habitantes
já se apagou.

Como é difícil ver uma luz
em meu caminho!
Mas se ainda houver uma fagulha,
lutarei.
E enquanto lutar
permanecerei vivo.
No fim a morte
iminente e inevitável.

A morte.
O fim.
O nada.

As luzes da cidade
já se apagaram.
O sol se ergue
sobre a população fria.

Ele também terá o seu fim.

18 de nov. de 2008

AMAR FALHAR


Superfície
onde ondas
vêm
amorfanhar,
sentem
amachucar
quando ordem vem
gorar (amargurar).

Crispas ondas,
amarfalhar.
O mar
falha
ou
fala
(amarfalar)
ao mar

17 de nov. de 2008

POEMA NÁUTICO


Abordar a vida,
reviver a bordo.
Transbordar,
por essas muradas,
no mar sombrio.

Penetrar no nada
em um tempo infinito,
em um grito,
em silêncio.

Cruzando estas águas
frias,
transbordo pela paisagem
que não posso tocar.

13 de nov. de 2008

PAPEL


O papel, de qualquer forma
é sempre um amigo,
é sempre um caminho,
é sempre um alento
e eu tento

Em seu espaço branco
a mácula negra
da tinta, do risco
(rabisco)

Impressiona,
penetra e expõe,
impõe seu fascínio
(objeto de ascenso
e declínio)
que preenche,
embora vazio

Espectro


O espectro eletromagnético
está congestionado
na Avenida Paulista

O ético e o intelecto
foram postos de lado
nesta pista

Eu deslizo
em meu carro novo,
acima do mundo,
muito além do povo

O elétrico e o eclético
não me tornam menos cético,
nem preenchem esse vazio.
Frio e congestionado
como o espectro,
todo ocupado

Olhos vazados me observam,
antenas atentas se elevam
E todos os movimentos
são elementos
do mesmo jogo

Sou um estorvo.
Porque em mim
a regra não pega

Pela minha cabeça
cruzam sinais,
interferências
e a tudo observo

pasmo...

Sombras Ruídas



Sombras se movem
nas ruínas vazias.
Nas ruínas paradas,
movem-se sobras perdidas.
Dançam escondidas
ao som do silêncio vago.

Caem-se os pedaços
das inúteis ruínas.
Sinuosos, pernas e braços,
movimentos de sombras frias.
Delicados, ágeis, suaves
insinuam-se sem sentido.

No escuro vultos e sombras.
No escuro colunas, paredes.
O caminho está lá,
entre os caminhos.
Mas não se pode distinguir,
nos escapa.
Ou não há caminho...

Escuras ruínas, sombras.
Nada antes ou depois...
Como fosse tudo perfeito.